domingo, 6 de setembro de 2009

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Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando não estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não se acende senão na tua boca. (…)
Esta noite cumpri o ritual: despi-me toda para ler as velhas cartas de Marcelo. O meu amor escrevia de modo tão profundo que, no decurso da leitura, eu sentia o braço dele roçando o meu corpo e era como se desabotoasse o vestido e as roupas desabassem a meus pés. (…)
Marcelo adormecia logo a seguir a fazer amor. Dobrava a almofada entre as pernas e tombava no sono. Eu ficava só, desperta, ruminando o tempo. No início via na atitude de Marcelo um sinal de insuportável egoísmo. Depois, já muito tarde, entendi. Os homens não olham as mulheres que acabaram de amar porque têm medo. Têm medo do que podem encontrar no fundo dos olhos delas.
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(Jesusalém, Mia Couto)

Um comentário:

  1. Bonito, você sabe que está parcialmente certo, é verdade o que você diz. Estou convencido de que os homens olham, mas não podemos observar.

    Eu gosto do que você escreve.

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