domingo, 7 de junho de 2009

Louco (Hora de Delírio)

Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.
*
Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas idéias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele,
*
Foi uma repulsão de dois contrários:
Foi um duelo, na verdade, insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.
*
Agora está mais livre. Algum atilho
Soltou-se-lhe o nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
Entrou agora em sua própria essência.
*
Agora é mais espírito que corpo:
Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.
*
Agora, sim — o espírito mais livre
Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.
*
E vós, almas terrenas, que a matéria
Os sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando o chamais, portanto: - um louco!
*
Não, não é louco. O espírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
*

(Junqueira Freire)

Um comentário:

  1. Perguntais-me como me tornei louco.
    Aconteceu assim: Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascidos, despertei de um sono profundo e notei que todas minhas máscaras tinham sido roubadas
    - as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado sete vidas -
    corri sem máscara pelas ruas gritando:
    "ladrões, ladrões, malditos ladrões!"
    Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
    E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de casa gritou:
    "É um louco!" olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou-me pela primeira vez minha face nua.
    Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol e não desejei mais minhas máscaras.
    E, como num transe, gritei:
    "Benditos, benditos sejam os ladrões que roubaram minhas máscaras!"
    Assim me tornei louco. E encontrei, tanto liberdade como segurança em minha loucura: A liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que compreende escraviza alguma coisa em nós."

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