sábado, 29 de agosto de 2009

[Do filme A insustentável leveza do ser, de Phillip Houfman]
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Não era o sopro de uma respiração ofegante, não era o sopro de uma respiração difícil, era mesmo um grito. Gritava tão alto que Tomas teve de afastar a cabeça da cara dela como se, perto do ouvido, o grito lhe furasse os tímpanos. Não era uma expressão de sensualidade. A sensualidade é a mobilização máxima dos sentidos: observa-se o outro intensamente e escutam-se todos os seus ruídos, mesmo os mais imperceptíveis. O grito de Tereza, pelo contrário, era para anestesiar os sentidos, par impedi-los de ver e ouvir. O que gritava nela era o idealismo ingênuo do seu amor que pretendia ser a abolição de todas as contradições, a abolição da dualidade do corpo e da alma e talvez mesmo a abolição do tempo. (...) Quando o grito se acalmou, adormeceu junto a Tomas, agarrando-lhe na mão durante toda a noite. Já aos oito anos adormecia com as mãos uma na outra (...). Portanto é perfeitamente compreensível que segure tão afincadamente a mão de Tomas sempre que está a dormir: foi para isso que se preparou, foi para isso que treinou desde a infância.
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(Milan Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser”)

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